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sexta-feira, 20 de março de 2009

Nunca

Leio Agualusa e ele me fala de silêncios em meio às mulheres da África. Silêncios que ele conta a quem não sabe deles. Este silêncio só foi interrompido agora pelo barulho das teclas do meu computador. Antes ele me dizia coisas apesar do barulho da rua. É um silêncio dolorido, que vem de dentro, como a alma calada, engolindo as lágrimas. Agora há pouco assustei-me com sua voz, a garganta estranhou o ar de um suspiro falante, acho que ela disse ai, não ouvi, me assustei. Minha alma sempre falou muito para mim, sempre no mais profundo silêncio. Aliás, é sempre nesses momentos que ela mais me fala, talvez o encontro com Agualusa a tenha despertado do seu sono dolorido.
Ela tem dores, hoje, diz-me. Sofre, pensa em voltar pra casa. Confunde-me um tanto isso, a minha casa ou a dela? Que seja a minha, que ainda tenho romances pra ler. Um amor de quem me despedir. Ah, ela sofre quando penso nele. Recolhe-se, põe a mão aos lábios e deixa-se chorar. Lágrimas silenciosas da alma, li isso em algum lugar. Ela não precisa me dizer, eu sei. Este corpo também sofre dele, da saudade. Mas, ela me explica num simples mover da cabeça, meu corpo não sabe. Ele só abre os braços e se aquece nele, ele não pensa na mão e na boca, ele só sente e fecha os olhos e se abandona ao instante que ele não calcula. Ela não, ela sofre de saber as horas e os dias, e o nunca, que é a dor dela hoje. O nunca, pode haver mais silêncio do que há no nunca, nunca mais? Ela me responde com os olhos úmidos, o silêncio da dor neles: não há. O nunca é um silêncio de abismo sem volta, nem a luz fala, nem o calor, nem o cheiro. Ele engole tudo. O nunca é o mais silencioso dos momentos.
Quero dizer pra ela que ele vem, logo a voz dele irrompendo o silêncio dela, mas não consigo, que palavras se usa pra fingir? Então, nos enroscamos as duas e choramos, nesse silêncio de abismo sem volta.