Colaboradores

domingo, 26 de setembro de 2010

Catedral


Em cada cidade eu teço um marco

- Aqui foi o dia, aquela vez, quando eu disse

quando tu

aqui foi quando eu senti

Uma criança muito loura correu em direção à mãe

mexendo no meu estômago

Qualquer vestido na vitrine

alguém com o cigarro no canto da boca

e eu penso

penso até doer

a calçada de repente transgressora


Sou a ambulante estrangeira

vendendo perguntas silenciosas

o coração indigente estendido

pedindo explicação


Então as torres da catedral.

(ele dissera pra eu ir ao quarto andar do hotel

como uma criança no ombro do pai

- mas eu sempre me guio pelas alturas)

(eu gosto quando o balão escapa das mãos

e voa voa

seguindo seu caminho de balão)

Três quadras

da urbanidade explicadinha do interior

as gentes e as vitrines simétricas


Sou mesmo pequena

meus longos cabelos crescem quando eu olho as torres

estreitando-se como meus olhos

fico assim um pouco

- se não fossem as torres eu era louca

fecho os olhos, tonteio

a banda militar sertanejando na praça

me viro, casais dançam e fotografam


Por fora estas torres ponteagudas cinzentas

por dentro rosas vermelhas e rococó

(sorrio pensando nele)

Santa Terezinha me observa na penumbra (estética)

- decifra-me

eu me devoro

em segundos de expectativa fria


Eu rezo e ela se enternece

posa para minha fotografia

- obrigada, vou colocar no meu altar

A senhorinha das chaves está falando falando, não ouço

- santa terezinha, meu coração indigente...

- minhas perguntas...
e deposito no altar

Na rua ainda a banda o algodão doce e as criancinhas louras

as imensas portas de madeira trancadas

a senhorinha manda eu ficar com deus
amém


Tenho de voltar pelo mesmo caminho?

escolho o outro lado da rua

gentes e vitrinas simétricas
a catedral agora uma fotografia

o prédio do hotel não tem torres

pra eu me encontrar

nem rosas vermelhas

(sorrio pensando nele)

mas é lá que ergo meu marco:

no quarto

na cama

no meu homem

de braços estendidos pra mim