Colaboradores

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Ohio Blue Matches



Paterson é motorista de ônibus na cidade de Paterson. Mas essa não é a única coincidência desse filme a que eu já assisti um sem número de vezes. Às vezes assisto aos pedaços, volto em uma cena, pauso, fico olhando como a uma fotografia. Às vezes assisto para procurar respostas que nem sempre encontro, às vezes para fazer perguntas.

Sobre o que é Paterson? Na primeira vez que o assisti achei que fosse sobre a poesia. Quis ver de novo para copiar os poemas. Me perguntava se existiriam, quer dizer, se seriam ou não poemas fictícios. Poema fictícios. Se foram escritos, lidos, são poemas, mas enfim. Então eu descobri em um blog que os poemas foram escritos pelo poeta Ron Padgett, grande parte deles feita especialmente para o filme. Ou seja, são partes de um roteiro. Certo, eu sabia que não tinham sido escritos pelo personagem, quer dizer, pelo Adan Driver. Ou podiam ter sido? Vai saber, esses atores às vezes vestem uma camiseta justa.

Foi nesta segunda vez, quando os poemas já eram poemas, que eu reparei em mais gêmeos. E em outras coincidências. E em como Adam Driver faz um uma espécie de muxoxo naquela sua cara tristonha. Na segunda vez eu também reparei mais no cachorro, pra ver se não apenas Laura, mas também ele mandaria o aviso desde o início, desde há um ano.
Na terceira vez eu já estava acostumada com os movimentos dos lábios de Paterson. Ou seria do Adam Driver? Então eu realmente senti o incômodo dos tantos anticlímax. É um filme em que tudo quase acontece e aquilo que acontece verdadeiramente é feito por um cachorro. Na cama só há despertares, a arma é de brinquedo, o ônibus não vira uma bola de fogo, a mãe não desconfia de um estranho sentado com sua filha, as encomendas chegam direitinho. Só a caixa de correspondências teima em entortar. Causa de quem? Do cão. Se ele pudesse dizer que não aguenta mais a calçada em frente ao bar.

Em Paterson, homens e meninas têm cadernos secretos, onde escrevem seus poemas. Eles gostam de Emily Dickinson, ambos. Há muitas pequenas histórias em Paterson. Há também muitas coisas estranhas acontecendo. Uncle Valter não gostaria dessas pessoas iguais e seus casacos roxos no ônibus. Muitas pessoas famosas viveram em Peterson, onde os donos de bar jogam xadrez e não ligam a tevê. O imigrante indiano tem muitos problemas, muitos, todos os dias. O gato tem diabetes e o som do violino incomoda. Mas nada disso é tema para os poemas do motorista do ônibus 23. Paterson escuta as conversas no ônibus, escuta as queixas do colega, escuta os sonhos de Laura e o poema da menina cujos cabelos se molham da água que cai. Paterson repara na caixa de fósforos e seu gramofone e escreve um poema de amor. Paterson toma um grande gole de água para empurrar a torta de cheddar e couve de Bruxelas goela abaixo.

Sobre o que é Paterson? Ainda não sei. Um dos poetas preferidos de Paterson, William Carlos Willians – ou Carlo William Carlos – escreveu um poema chamado Paterson, traduzido para o português pelo poeta José Paulo Paes. Então eu li o poema. Se uma caixa de fósforos dá um poema de amor por que um poema não daria um filme? Está lá o cão, a cidade, o homem. Agora tenho mais perguntas a fazer. Leio o poema. Vejo o filme. Ambos. Gêmeos. E nem por isso o mesmo. Nem por isso a mesma coisa a dizer ou a perguntar.

Paterson é sobre a poesia. E sobre a vida. É sobre o sol de cada dia, “o sol ignorante erguendo-se no rastro de erguidos sóis vazios”. É sobre as pessoas, seus sonhos, aqueles pequenos, as pequenas e comezinhas coisas. Seguindo pelas ruas de Paterson, o 23 vai apontando as pequenezas no ritmo dos ponteiros. E delas, vai surgindo a beleza, aquela que está “encerrada na mente”, aquela que buscamos apenas na simetria e nas cores. O mundo de Paterson é preto e branco. O mundo de Paterson é um caderno secreto de poemas, as palavras no papel, preto e branco. Paterson é um poema, ele mesmo, um poema.