Colaboradores

domingo, 31 de agosto de 2008

Fake

Eu tenho um armário cheio de máscaras
que só tu não conheces

Teu corpo me despe inteira
fico só eu no teu peito respirando-me

Às vezes eu não me encontro em ti
talvez perdida em tua alma
talvez à beira impenetrável de teu oceano
ou apenas assim: o vento do abismo em meus cabelos


Eu não sei das finitudes
a tatoo eterna do teu nome em mim
o que me pergunta é do tanto, esse tanto tanto
este côncavo que soterro de desculpas tolas
pra não me pôr de joelhos

Eu não te digo mais do que sou capaz
o resto eu não entendo

Então eu me finjo de poeta
pra fingir que finjo a dor que não é minha
pra pôr o vazio em peito alheio
pra empurrar outro corpo no desfiladeiro

É tudo mentira
faz tempo que eu só me confesso entre quatro paredes

Eu tenho um armário cheio de máscaras
mas nenhuma serve em meu coração

sábado, 30 de agosto de 2008

Disco arranhado

Estou cansada de ouvir sobre coisas que não me calam
coisas de caráter único e estático
verdades ditas entre sorrisos e aplausos moucos

Penso nelas apenas pelo que me des-pensam
e elas me dispensam os contrários, as descontinuidades
não têm meu crédito nem meu destempero

Eu quero as hipóteses na corda-bamba, as palavras-facas
que a dor delas me afasta da ferida
e me aproxima de mim

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Cortinas fechadas

Estou morta
Toca Outono de Piazzola
e ali jaz minha alma em decúbito


Morri inteira aos pedaços e em gotas
como chorava Manuel quando ele tinha medo
e eu sorri para ela


Morta
minha garganta enrijecida de não dizer
meu útero à espera das flores e das palavras


Quero dizer as últimas
mas que restará senão meu silêncio
e o calor da minha alma quando sob ti


Estou morta
Minhas costas voltam-se à luz
E tu estás lá sorrindo do meu prazer

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Dia de São Miguel

O que eu faço com esse amor?

Sobram meus adereços e meus ensaios
o carinho formiga minhas mãos
a vontade escorre de meu corpo

Minhas pernas estão perdidas
e minha boca desencantada de tanto acréscimo

Trago em bandeja o que recusas em bocados
Transbordo em cedências

Levo-me à feira?
Congelo-me

Auto-poiesis

Permito escrever-me
a caneta vértice narradora de mim
Ela compõe meus pedaços:
a dúvida e o desencanto me emudecem

Meu equilíbrio está na loucura
Minha sintaxe corrompida se atreve

Ela me permite o que eu não devo
Perverte minha semântica, goza minhas metáforas
Sou artimanha de mim mesma:
Incapaz de ver senão no signo que me apaga

Os papéis riscados engoliram minha voz
Eles me gemem, me vomitam, me consomem

A caneta me devolve a alma em corpo nexo
Cada palavra um escárnio
Verso auto-sintagma

Uma colagem um desespero ânsia inteira
Uma morte

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Espírito santo

Hoje me despi das asas e das vontades
fechei meu livro

Ajoelhada, mãos no chão, bebi cada palavra
meus cabelos confundindo as letras

Entreguei-me em prostração
exausta do que me desmente, aceito

Aceito-me. Esta é minha carne
esta é minha alma

Este é meu corpo que se faz em ti
Faz em mim tua vontade

E Deus perdoe meu contentamento
e meu delírio

Já que não há perdão pra meu amor

Talvez a vida seja mesmo esse mistério

Sabe? A gente não sabe nada. Rian de rian. Até as ciências exatas duvidam de si mesmas. Pensa no próximo segundo, que sabemos dele? Ah, que se tropeça... Duvidas do inferno? O melhor amigo inveja e odeia, como tu. Duvidas de Deus? Escarneça, então, lança ao diabo tua melhor oferta! Não temos o arbítrio de um segundo. De uma curva. De um suspiro. Às favas! Baunilha...sorvete... Adoro sorvete de baunilha!

domingo, 10 de agosto de 2008

only sex

Danada de estranha essa vida
inteira eu me perguntando
sou capaz?

então quando ele me responde que sim
eu choro
porque a danada da resposta vem com não pior

então pra que ser capaz?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Hybris

Escolho sofrer
antes minha vida em versos alexandrinos
do que a insipidez dos cegamente felizes
que comem e dormem e lêem o jornal pela primeira página

Escolho sentir
Meus cinco dados pela janela e não importa a conta
todos os meus desacertos valem o teu beijo e o teu desprezo
Os meus sentidos não têm medo do veneno e do cadafalso

Escolho saber
mesmo as rotinas e as bárbaries, a quebra de todas as promessas
minhas vontades insatisfeitas, meus ridículos
mesmo o teu medo de jogar os dados

Escolho viver
escolho-me

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Claustrofobia

De todas as minhas incertezas tenho em ti a constante
teus significados não me põem à prova
o que me questiona é o possível que trazes nos bolsos

Tu não és minha única resposta

O vazio jaz em mim
nas coisas que perderam o sentido depois do teu gesto
Por que uma casa e um gato?
Por que domingos?
Por que vida?

Essa dúvida de mim me esquarteja no espelho
me acorda de manhã situando as paredes descascadas
os desbotados, os rotos, todos os desatinos, as coisas tortas

Eu podia viver sem sentir essas protuberâncias
essa estranheza desconfortável de quem respira o desconhecido

Agora quero sentidos aos domingos
e a tua constância na minha varanda
quero acariciar o gato
quero esvaziar teus bolsos

Quero viver

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Noventa e nove folhas mortas

Meu corpo já estava gélido quando ele chegou
Todas as minhas folhas secas

Eu podia ter aquecido a cama
E a água para o chá, mas
O tempo também esfria as vontades

E foi assim que o esquecimento me apagou inteira
E me varreu no chão de inverno
Como as folhas caídas
E as promessas de uma outra estação

Quando o frio me deixa desenhar um coração na janela
O amor me aquece e dói
Esse verdadeiro que me dá bom-dia

Minha hibernação começa agora
E para sempre, sempre, sempre

domingo, 3 de agosto de 2008

Cinzas da desordem

Toca um tango
E chama Manuel
Que eu decidi pôr um fim nessas capitulações

Chama Manuel pra dançar comigo
E gargalhar do trem que nós perdemos ontem

Ele sabe bem não se importar com a ferida
Chama Manuel que ele me conhece

Nós vamos beber e falar tolices
Todas as verdades suportem nosso lirismo louco

Até de manhã nossos corpos vão brincar
Enquanto nossas almas secam no varal esquecidas

Chama Manuel que eu quero entontecer
na desordem da casa e no meu desaprumo

Vamos contar estrelas cadentes
E exclamar o belo num último poema descomedido

Chama, chama Manuel
Que eu vou ser a mulher que ele desconhece

Que a vida é uma sombra na minha epiderme

Lexotan

Há tantos pensamentos pululando, que nenhum se me decide corromper a preguiça de levar até o fim uma idéia que seja. Tem gente falando, tem pergunta, tem crítica e comiseração. Tem gente idiota e tem olhar que me chama. E há aquele vazio. Falta que me põe estática e que me sacode por dentro. Eu não sei se respondo a essa lacuna. Tenho vontade de gritar com o eu que eu conheço e que me agride por dentro. Mas o resto que há em mim, e que ainda não decifrei, me fecha os poros e as janelas. Tranca minhas portas e o meu grito na garganta. Então nem luta nem sono. Porque minha alma nunca dorme. Meu Deus! ela me põe sempre em alerta e me cutuca o tempo todo. É revoltante o que me faz, nunca inteira, sempre soçobrante, sempre na espera, sempre procurando pergunta, nunca satisfeita de mim. E meu corpo um canalha que rasteja atrás dela, cão infiel. Cadela traiçoeira. Uniram-se pra me desestabilizar, pra corromper minhas poucas sabedorias próprias. Minha vingança pesa seis miligramas.

Da carne e suas inconsistências - II

Não sei que valsa toca a essa hora
Nem sei dançar a música que ele toca

Não sei por que meu corpo chora
Se é por falta dele ou ausência minha

Não sei por que me congela o peito
Se minha boca queima por querer o beijo

Não sei por que me cala a voz
Se é a voz dele que me devora

Não sei como me penetra a dor
Se a dor é causa dele que me falta

Não sei por que ele
Nem sei por que eu

Da carne e suas inconsistências - I

Como saber de tudo isso
Ainda tenho dúvidas de mim

As calçadas tão estreitas
As janelas me cortam o pescoço
E ainda assim o espelho mostra tantas faces da mesma

Como saber
Das escolhas, de uma razão, de tantas vontades
adivinhar passos e necessidades e interrogar se eu não sei

Posso escarnecer do que vejo
E é tão pouco e tão ridículo e tão misógino
Tenho ânsia e náusea de minha completa ignorância de mim

Como saber
Se eu vivo mesmo a minha vida
Um suco de laranja apropriado e uma roupa que me cabe

É meu o direito do conhecimento
Talvez da cor do meu cabelo
Das sinapses incompletas e do sofrimento que me vale

Monet sabe mais de mim
em sua moldura aberta
do que minha cama aquecida por dois corpos e um edredom

Eu sou uma farsa
Um sopro apenas
E volto àquele que me domina e me cria à sua própria face