Colaboradores

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Posso converter este sol numa gota
que vai adocicar minha boca com o teu gosto
E se eu deixar
a chuva se faz tua mão na minha pele úmida

E essa flor
vai repetir meu nome com tua sedução

Ora, eu tenho amor de sobra pra relativizar as coisas

Só a saudade é essa coisa dura

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Vazio

Há casais lá fora
cinzas e coloridos
Nem tão casais
às vezes apenas um vago

Nem isso posso
ocupar o vazio do banco,
a indiferença não faz parte dessa minha relação

Ao menos fosse assim
a paz – mesmo que teatral –
de sentar ao lado teu
como quem repassa os anos da vida em que éramos
eles
um casal que senta lado-a-lado
no banco vazio
e sonha com o que poderia ter sido

Desperdício

Se lhe pousa a mosca:
O que sente a fruta, ainda verde, no pé?
Se a folha, tola, lhe cobre o sol?
Se o galho, torto, lhe impede a seiva?
Angustia-se a fruta verde por saber-se perene
e, ainda: jamais madura?

Assim me sinto:
fruta verde, inerte
Jamais minha carne suculenta te tocará os lábios.
Caio antes, verde! aos pés da macieira.

Em tuas mãos

Toca-as
Com a ponta dos dedos úmidos
toca-as

Tua boca entreabre-se
teus olhos falam
goza-as uma a uma

As duas mãos
seguram e percorrem,
lânguida uma que às vezes
toca em teu próprio corpo

Teu corpo calmo (zombeteiro)
Mas tua boca e teus olhos traem teu prazer

Frenético percorres
e goza-as
todas

Queria ser esse livro em tuas mãos
Para que tocasses minha páginas
com essa lascívia

Para que teus lábios
murmurassem o prazer que seria meu
e que daria a ti
o prazer que veria nos teus olhos
ávidos, percorrendo minha páginas
abertas
existência apenas das tuas mãos e do teu decifrar

sábado, 25 de outubro de 2008

No answer

Eu ia dizer
que teu beijo é a fala mais perfeita
entre duas bocas

mas saiu antes um soluço
e pingou uma lágrima no tapete
me distraí do detalhe essencial

nem reparei mais na umidade do lençol
e nas outras manchas do chão

eu ia dizer do teu beijo
minha boca nem titubeava
foi só uma pergunta sem resposta

e outra pergunta e o não saber
de aceitar ou de Minas
nossa cama e nossa conta bancária

ficou o gosto do beijo na boca
muda
amargo

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Poeta que nada

Tá. Querem que eu vista a máscara
do estilo: um sujeito isento de fraque
Nada disso. Sou pessoa reles
da pá virada

Eu digo isso mesmo
sangue e volúpia
a dor própria e até mesmo o desatino
não vou escolher palavras

Não vou escolher sinônimos
pra desacorsoar os ritmos e fazer de conta
que existe um eu bem intencionado
Nada disso

Rasgo o papel em pedacinhos
antes do melindre e do tal cinzel
dos que sabem fazer bonito
em caderneta de acervo

Dou risadas desses desbundes
e depois choro da dor que disse
sou eu mesma: ninguém duvide
sujeita desajeitada e só

sujeitada a isso: sofro
só não sei fingir
Oh e me perdoem que perdi a chave
nem tenho ouro

só tenho essa boca
que é beijo é falta e também é
forma
de mim e ninguém mais

sábado, 20 de setembro de 2008

Trégua

Estou em trânsito. Transe. Trâmite. Traduzindo-me. Traio-me. Trepida, tremula, trucida. Tragédia.

À sombra de Eliot

Este instante é meu tempo todo. Minha cultura, sacra, inegável. Tradição traição. Meu estar infixável, nunca estático. Meu querer em fuga, círculo caótico. Meu ser, profano racional. Neste instante incaptável.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Do livro dos desejos

Eu poderia ser essa mulher.
Já não sou?
Sou esta que mima teus desajustes e observa teu relógio?
Esta que se mimetiza por teus quereres?
Que estabelece em ti as considerações?

Sou esta que se encanta em descobrir mesmo os dissabores
- porque a vida é enfim contigo?

Sou esta que vê escurecer o castanho dos teus olhos
- a única - esta que sou?

Sou esta que não te estranha e te respira?
Esta cujo silêncio te chama?

Bem sei
pensas que te faço rir (mesmo que por graça)
que te alivio
e que por teu corpo no meu é que se transformam teus olhos
apenas porque sou esta
justamente esta
a quem nada prometes
- a quem não deves nada

Apenas porque sou esta
que te recebe aos punhados
como em pagas

Pois eu sou esta, justamente esta
para quem teu sorriso é inteiro
e teu pouco é tudo

Sou eu, sim, sou esta mulher.

domingo, 7 de setembro de 2008

Ressintindo-me

Moro embaixo da mesa
Sob aquilo que como e sirvo

Ousei desatar meus cabelos presos
E abandonar meu destino sob as engrenagens
E então minha vida no espelho

Meu corpo carne em cima da mesa
Preso em meu sexo
Que razão há em mim para ser diferente?

Eu danço essa música
Armo-me de seduções contra mim mesma
Sempre o mesmo vestido vermelho

Sempre o mesmo desejo
Carne e sexo
Não é vida isso?

Não é por isso que gira a máquina?
Que se abrem e se fecham portas e janelas?
Que razão há em mim para ser diferente?

Sou apenas um corpo a ser servido
Carne e sexo
E assim gira a engrenagem

Eu moro embaixo da mesa
Quis sair um dia
Meu atrevimento foi esta dor

domingo, 31 de agosto de 2008

Fake

Eu tenho um armário cheio de máscaras
que só tu não conheces

Teu corpo me despe inteira
fico só eu no teu peito respirando-me

Às vezes eu não me encontro em ti
talvez perdida em tua alma
talvez à beira impenetrável de teu oceano
ou apenas assim: o vento do abismo em meus cabelos


Eu não sei das finitudes
a tatoo eterna do teu nome em mim
o que me pergunta é do tanto, esse tanto tanto
este côncavo que soterro de desculpas tolas
pra não me pôr de joelhos

Eu não te digo mais do que sou capaz
o resto eu não entendo

Então eu me finjo de poeta
pra fingir que finjo a dor que não é minha
pra pôr o vazio em peito alheio
pra empurrar outro corpo no desfiladeiro

É tudo mentira
faz tempo que eu só me confesso entre quatro paredes

Eu tenho um armário cheio de máscaras
mas nenhuma serve em meu coração

sábado, 30 de agosto de 2008

Disco arranhado

Estou cansada de ouvir sobre coisas que não me calam
coisas de caráter único e estático
verdades ditas entre sorrisos e aplausos moucos

Penso nelas apenas pelo que me des-pensam
e elas me dispensam os contrários, as descontinuidades
não têm meu crédito nem meu destempero

Eu quero as hipóteses na corda-bamba, as palavras-facas
que a dor delas me afasta da ferida
e me aproxima de mim

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Cortinas fechadas

Estou morta
Toca Outono de Piazzola
e ali jaz minha alma em decúbito


Morri inteira aos pedaços e em gotas
como chorava Manuel quando ele tinha medo
e eu sorri para ela


Morta
minha garganta enrijecida de não dizer
meu útero à espera das flores e das palavras


Quero dizer as últimas
mas que restará senão meu silêncio
e o calor da minha alma quando sob ti


Estou morta
Minhas costas voltam-se à luz
E tu estás lá sorrindo do meu prazer

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Dia de São Miguel

O que eu faço com esse amor?

Sobram meus adereços e meus ensaios
o carinho formiga minhas mãos
a vontade escorre de meu corpo

Minhas pernas estão perdidas
e minha boca desencantada de tanto acréscimo

Trago em bandeja o que recusas em bocados
Transbordo em cedências

Levo-me à feira?
Congelo-me

Auto-poiesis

Permito escrever-me
a caneta vértice narradora de mim
Ela compõe meus pedaços:
a dúvida e o desencanto me emudecem

Meu equilíbrio está na loucura
Minha sintaxe corrompida se atreve

Ela me permite o que eu não devo
Perverte minha semântica, goza minhas metáforas
Sou artimanha de mim mesma:
Incapaz de ver senão no signo que me apaga

Os papéis riscados engoliram minha voz
Eles me gemem, me vomitam, me consomem

A caneta me devolve a alma em corpo nexo
Cada palavra um escárnio
Verso auto-sintagma

Uma colagem um desespero ânsia inteira
Uma morte

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Espírito santo

Hoje me despi das asas e das vontades
fechei meu livro

Ajoelhada, mãos no chão, bebi cada palavra
meus cabelos confundindo as letras

Entreguei-me em prostração
exausta do que me desmente, aceito

Aceito-me. Esta é minha carne
esta é minha alma

Este é meu corpo que se faz em ti
Faz em mim tua vontade

E Deus perdoe meu contentamento
e meu delírio

Já que não há perdão pra meu amor

Talvez a vida seja mesmo esse mistério

Sabe? A gente não sabe nada. Rian de rian. Até as ciências exatas duvidam de si mesmas. Pensa no próximo segundo, que sabemos dele? Ah, que se tropeça... Duvidas do inferno? O melhor amigo inveja e odeia, como tu. Duvidas de Deus? Escarneça, então, lança ao diabo tua melhor oferta! Não temos o arbítrio de um segundo. De uma curva. De um suspiro. Às favas! Baunilha...sorvete... Adoro sorvete de baunilha!

domingo, 10 de agosto de 2008

only sex

Danada de estranha essa vida
inteira eu me perguntando
sou capaz?

então quando ele me responde que sim
eu choro
porque a danada da resposta vem com não pior

então pra que ser capaz?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Hybris

Escolho sofrer
antes minha vida em versos alexandrinos
do que a insipidez dos cegamente felizes
que comem e dormem e lêem o jornal pela primeira página

Escolho sentir
Meus cinco dados pela janela e não importa a conta
todos os meus desacertos valem o teu beijo e o teu desprezo
Os meus sentidos não têm medo do veneno e do cadafalso

Escolho saber
mesmo as rotinas e as bárbaries, a quebra de todas as promessas
minhas vontades insatisfeitas, meus ridículos
mesmo o teu medo de jogar os dados

Escolho viver
escolho-me

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Claustrofobia

De todas as minhas incertezas tenho em ti a constante
teus significados não me põem à prova
o que me questiona é o possível que trazes nos bolsos

Tu não és minha única resposta

O vazio jaz em mim
nas coisas que perderam o sentido depois do teu gesto
Por que uma casa e um gato?
Por que domingos?
Por que vida?

Essa dúvida de mim me esquarteja no espelho
me acorda de manhã situando as paredes descascadas
os desbotados, os rotos, todos os desatinos, as coisas tortas

Eu podia viver sem sentir essas protuberâncias
essa estranheza desconfortável de quem respira o desconhecido

Agora quero sentidos aos domingos
e a tua constância na minha varanda
quero acariciar o gato
quero esvaziar teus bolsos

Quero viver

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Noventa e nove folhas mortas

Meu corpo já estava gélido quando ele chegou
Todas as minhas folhas secas

Eu podia ter aquecido a cama
E a água para o chá, mas
O tempo também esfria as vontades

E foi assim que o esquecimento me apagou inteira
E me varreu no chão de inverno
Como as folhas caídas
E as promessas de uma outra estação

Quando o frio me deixa desenhar um coração na janela
O amor me aquece e dói
Esse verdadeiro que me dá bom-dia

Minha hibernação começa agora
E para sempre, sempre, sempre

domingo, 3 de agosto de 2008

Cinzas da desordem

Toca um tango
E chama Manuel
Que eu decidi pôr um fim nessas capitulações

Chama Manuel pra dançar comigo
E gargalhar do trem que nós perdemos ontem

Ele sabe bem não se importar com a ferida
Chama Manuel que ele me conhece

Nós vamos beber e falar tolices
Todas as verdades suportem nosso lirismo louco

Até de manhã nossos corpos vão brincar
Enquanto nossas almas secam no varal esquecidas

Chama Manuel que eu quero entontecer
na desordem da casa e no meu desaprumo

Vamos contar estrelas cadentes
E exclamar o belo num último poema descomedido

Chama, chama Manuel
Que eu vou ser a mulher que ele desconhece

Que a vida é uma sombra na minha epiderme

Lexotan

Há tantos pensamentos pululando, que nenhum se me decide corromper a preguiça de levar até o fim uma idéia que seja. Tem gente falando, tem pergunta, tem crítica e comiseração. Tem gente idiota e tem olhar que me chama. E há aquele vazio. Falta que me põe estática e que me sacode por dentro. Eu não sei se respondo a essa lacuna. Tenho vontade de gritar com o eu que eu conheço e que me agride por dentro. Mas o resto que há em mim, e que ainda não decifrei, me fecha os poros e as janelas. Tranca minhas portas e o meu grito na garganta. Então nem luta nem sono. Porque minha alma nunca dorme. Meu Deus! ela me põe sempre em alerta e me cutuca o tempo todo. É revoltante o que me faz, nunca inteira, sempre soçobrante, sempre na espera, sempre procurando pergunta, nunca satisfeita de mim. E meu corpo um canalha que rasteja atrás dela, cão infiel. Cadela traiçoeira. Uniram-se pra me desestabilizar, pra corromper minhas poucas sabedorias próprias. Minha vingança pesa seis miligramas.

Da carne e suas inconsistências - II

Não sei que valsa toca a essa hora
Nem sei dançar a música que ele toca

Não sei por que meu corpo chora
Se é por falta dele ou ausência minha

Não sei por que me congela o peito
Se minha boca queima por querer o beijo

Não sei por que me cala a voz
Se é a voz dele que me devora

Não sei como me penetra a dor
Se a dor é causa dele que me falta

Não sei por que ele
Nem sei por que eu

Da carne e suas inconsistências - I

Como saber de tudo isso
Ainda tenho dúvidas de mim

As calçadas tão estreitas
As janelas me cortam o pescoço
E ainda assim o espelho mostra tantas faces da mesma

Como saber
Das escolhas, de uma razão, de tantas vontades
adivinhar passos e necessidades e interrogar se eu não sei

Posso escarnecer do que vejo
E é tão pouco e tão ridículo e tão misógino
Tenho ânsia e náusea de minha completa ignorância de mim

Como saber
Se eu vivo mesmo a minha vida
Um suco de laranja apropriado e uma roupa que me cabe

É meu o direito do conhecimento
Talvez da cor do meu cabelo
Das sinapses incompletas e do sofrimento que me vale

Monet sabe mais de mim
em sua moldura aberta
do que minha cama aquecida por dois corpos e um edredom

Eu sou uma farsa
Um sopro apenas
E volto àquele que me domina e me cria à sua própria face

domingo, 27 de julho de 2008

Então é isso

Então é isso, o sol se pôs
e as sombras das lâmpadas são estranhas

Não há disfarces no silêncio da noite
nem coisas pra dizer
Apenas é hora

As flores lá fora são cinzas
a casa fechada
É preciso tirar o casaco e os sapatos

Então é isso, as verdades estão nuas
e nos envergonham
como nossos corpos vestidos

É preciso tratar da solidez concreta
Das cartas embaixo da porta
E das horas que faltam

É preciso esconder as palavras
as músicas
e os encontros furtivos

Então é isso, não há lua no céu
nem cotovias e nem café amanhã
Apenas uma estranheza fria

O sol se pôs, então é isso
De repente somos desconhecidos

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Quente

Botei pimenta no feijão em vez de pimentão:
Desobedeço
Tu já mandas no meu corpo
Que despes e vestes de rubores
E dás ordens nas coisas de minha alma
Desmandando as vergonhas e os pudores
Já comandas todas as minhas vontades
A desarrumação dos lençóis, o perfume do corpo
Se eu fumo, se eu como, se eu leio
Intrometido, dono que és!
Botei pimenta, sim!
Pra incrementar o fogo que tu pões em mim.

Oração da noite

Vai longe minha santidade
Cozinho-te a sopa todos os dias
ervilha alho e pimenta vermelha ardida
para servir-te no prato de meu apetite

Visto a cama com lençóis roxos
perfumo o travesseiro e a nuca
nua com meu dragão e minhas armas
fecho as cortinas e descubro os espelhos

Espero-te assim em oração de desejo

E adormeço. Então vens
Tens fome sede e vontade de mim
Sirvo-te a sopa e meu corpo e me sacio
acordo santa e pronta para fingir o dia

O mundo inteiro

Teu corpo ainda estremece sobre o meu
(o que diria Freud sobre essa sensação de completude?)
Tenho uma árvore em mim
E um pássaro e um cervo
E o lago onde ele bebe
Tenho o sol e a lua em mim
E a terra
Eu tenho o fogo em mim
Eu tenho em mim uma mulher
E um homem e o filho dele que nela germina
Nesse instante em que teu coração bate no meu peito
Eu tenho em mim passado e futuro
Eu tenho em ti tudo de mim

Capa de chuva pra Romeu

Meu bem, que saudade de ti!
Ontem a chuva na janela me sussurrava teu nome
e eu, boba, boba, sonhava com escadas e uma rosa

A rosa, coitada, esquecida no chão
e a gente se amando de cortinas fechadas

A chuva magoada foi embora
veio o sol e trouxe o frio
- esse frio da janela que deixei ainda aberta

E nada!
Nem a rosa e nem a escada:
que o perigo ronda o quarteirão!

Que saudade de ti, meu bem!

Dores mudas

Minha angústia são os eucaliptos
Agitando-se ao longe na janela
Também ninguém ouve meu grito
Que o vidro da rotina abafa

Eles gritam uns aos outros
Uma dor única e mútua
Que já não me agride
Só me desconforta

O outono tem sido assim

Enquanto minhas folhas caem
E o cinza se torna uma sombra inteira
As coisas vão ficando frias
Como os musgos e as samambaias

Na primeira vez que os eucaliptos me acenaram
Da janela aberta tomei um susto
Aquele farfalhar no vento era um dor
Desesperada como a minha

Acostumei-me a vê-los
Acenando ao longe seus longos braços
Fria como quem espera e sabe
Nem digo aos eucaliptos que o inverno vai chegar

Baile da primavera

Comprei tecido estampado e botões coloridos
e fiz um vestido bem rodado
pra dançar comigo quando o sol voltar

É pra meu bem reparar

Quando o portão ranger um sorriso
quero ter leveza roxa, azul e branca
batom cor de boca – que é pra não lambuzar
e um céu bem azul
pra olhar no olho dele antes de abraçar

Quero meu vestido dançando entre os passos de meu bem
as cores e eu enchendo-o de beijos

Então, como a saudade é grande
e meu bem tem hora,
o vestido estampado vai para o cabide
pra não atrapalhar

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Expressionismo

Faz tempo que o mundo não é cor-de-rosa
Mas ele deixou seu azul escorrer de mim
Agora sobram sépias, nuvens brancas e águas sujas

Roubaste-me a palheta
Nunca foi minha
Trocam os deuses, as aquarelas e os pincéis apenas
Mas os retratos mortais são mesmos

terça-feira, 22 de julho de 2008

Vidraça embaçada

É uma paisagem estranha a desta janela
um ângulo desconhecido em vários
Procuro as formas e me inquieto:
um galho, um telhado, um sentimento novo
e desconserto-me em não saber
dos fragmentos um todo que me caiba

Há uma canção nesta janela
que fala de partidas e de uma espera

Há o toque de uma mão serena
que me afaga a alma e me desperta

Há uma voz forte que me despe o corpo
Ainda assim uma paisagem estranha

Nem o sol depois da chuva turva
me trouxe o alívio de alguma certeza
que fosse a árvore ou a arquitetura
o vulto do vendedor de jornais
o taxista atrás do muro
um lenço ao vento

Permanecem os pedaços todos
e em pedaços observo e espero
ouvindo uma canção que fala de partidas
e uma dor desconhecida me toma toda
como a chuva, turva, que molha a vidraça
e esconde os cacos da vida

Tem alguém aí?

Estou cansada de dúvidas, queria uma certeza apenas, nem que fosse a de estar viva. Fico juntando cacos aqui e ali para me montar e não consigo. As coisas não encaixam, descolam, quebram. Tento juntar as palavras mas são folhas ao vento. Assim os perfumes, voláteis. Os sorrisos e os olhares estranhos. As sombras, os ângulos em movimento. Um lugar à luz fracionada do sol. Sensações, lembranças.
Mas de que me valem os sentidos e a memória se tudo é inconstante? Essas coisas que eu quero, fugidias, não deveriam ser eu mesma? Se tudo me escapa, o que me constrói?
A carne apodrece. Nem resta o fétido. O que vale é esse segundo. Sentiste?

Impressão

Então veio Monet. Ele ali na frente e a minha catarse formigando as mãos. Quero tocá-lo: ele na minha pele, na minha alma, nas minhas sinapses, aquecendo a ponta dos meus dedos, vibrando o mundo a minha volta. Monet pulsa, quero comê-lo: ele no meu sangue, na minha carne, na minha pele, meu suor a Monet. Então eu seria um pouco mais eu. Quero olhar nos olhos de Monet e me enxergar. Monet me desconstruindo, Monet me sussurrando a vida fora daquelas molduras. Nem as cores, nem as formas, importa Monet me dizendo de mim.

Planetário da língua

As sensações estão me engasgando. Mas ontem já chorei. Chorei por causa das palavras. Uma a uma elas me consumiram. Como uma palavra pode ser tão pesada? São as vozes que afligem as palavras? Ou é a palavra iminente que desconcerta a boca? As palavras, humanas demasiado humanas, apagaram minhas perguntas e me sufocaram de imprecisões. Fiquei ali sem falas, repleta de sons e sentidos, oca e soçobrante. Sobravam sentidos, faltavam significados. Como tomar essas palavras que escorrem, não perdê-las no afã e na fome, e na sua volubilidade, como vertê-las fonte eterna?

terça-feira, 15 de julho de 2008

Uma vez um amor

Tentei subir uma escada
três degraus dançando o baile
escorreguei
me quebrei toda
E o céu ficou longe

Mesas redondas

Sinto falta das teorias
as literárias
mas as tuas
lacunares assindéticas
tão bem coordenadas por ti

Tuas teorias
desconstrutoras de mim
quero-as
para repensar meu texto

Quero-as
para te pensar ensaio
tempo, espaço, narrador
teu enredo todo

biográfico de mim

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Minhas lacunas ainda não me fazem falta. Estou apenas me esboçando. Este vazio aqui é que ainda não entendi. Não sei se é reentrância minha mesmo ou é porque me tiraram algo que desconheço. Deve ser coisa importante, porque dói. Vez por outra paro de funcionar, então me conserto tapando o vazio com um punhado de sonhos. Minhas lacunas não, essas estão lá, esperando os sonhos evaporarem.

A tristeza sempre tem razão

Perguntei pra minha tristeza por quê
e ela me apontou o coração com dedo de remorso
Bobagem, disse eu, é o mundo
o espanto e as perguntas

Ela sorriu seu sorriso
e voltou para o seu cantinho

Fiquei pensando nela
e acariciei-a de leve e estranha

Pensei tantos dias na minha tristeza
- e tu não me falaste nada -
que entendi que ela tinha razão

Jornada heróica

Meu mundo só tu sabes
é teu porque deste as cores

e do barro dele tens me feito
com tuas mãos de deus displicente

Tu me nomeias

Tu és meu guerreiro
mas também és Shug:

olho tua imagem e me fortaleço
creio em mim
e em mim se completa o mago

Dêitica herética

No meu caminho há esta igreja
Que me tenta com sua imponência masculina
A safada é de pedra, fria e arrogante

Me joga na cara sua porta fechada ao meio-dia
Ereta, seus mullions me despem zombeteiros
Sua fálica torre inatingível à luz do sol

Sei bem o que ela esconde
Em átrio e celas e cortinas confessionais

Um terno altar iluminado pela luz
Que alcança os ondulatoires e disfarçam
Em pureza amarelada e morta

A vida pulsante que me chama da rua
A esse gozo da alma e da carne insone

terça-feira, 8 de julho de 2008

Por que injustificadas causas? Por que inoportunos fins? Por que intoleráveis conseqüências?
Quero as razões, os métodos e os resultados, as teorias todas. Nada me adivinha. Tudo me descobre. Minhas perguntas me põem em desconcerto alerta. Tenho urgência das significâncias.
Mas como o eco é vazio e no espelho a rusga é minha, suspiro e me contento com minha própria impertinência. Só respiro e pronto.
Delirius tremens

O grito que eu dei pra me acordar me pôs um sonho na boca
Abri os olhos de cantinho
só pra certeza de que era mesmo dele esse gosto

Batia raio de sol da manhã
Resmungava vento na janela
E eu dormia

Ele na minha boca vertendo esse gosto bom de vida
O grito já longe espiando da janela
(aqui dentro gritava um sussurro de agonia próxima)

E eu dormia

O corpo dele me ninando embalando o meu
me apontando as pertinências todas da vida
Pra que viver senão esse sonho dele?

Eu toda adormecida
nem vi que o dia andava longe e sinistro
carregando já meus desencantos

Foi ficando um gosto estranho na boca
O sol alto formigando o corpo
O grito e o vento batendo na janela

Hum, tão cedo ainda...

Fecha essa cortina que o dia é lindo aqui dentro
Não me digam nada
que eu não nasci pras verdades

Deixa eu sonhar que vivo